Olá comunidade leitora!
Esse mês a newsletter da Bodega Literária saiu um pouco mais tarde do que o esperado (coisas da vida corrida de um estudante estressado). Mas cá estamos nós em mais uma edição para falarmos sobre:
um texto sobre a solidão do ser chamado: LEITOR;
os livros lidos no mês de junho;
uma playlist sobre solidão (não vai chorar!) e
um artigo sobre teorias racistas ao longo da história ainda presentes na sociedade brasileira.
Boa leitura!
A solidão daquele que lê
Em qualquer lugar estou lendo, seja no conforto da minha casa ou da casa dos meus parentes ou seja em ambiente públicos caóticos enquanto estou em filas ou locais de espera. A leitura é como qualquer processo de preparação como para qualquer outra atividade: Para-se o tempo, concentra em si mesmo e ativa-se o modo leitor esquecendo o ambiente externo. É preciso desligar-se do mundo para mergulhar dentro de si. Normalmente em casa gosto de seguir um ritual, gosto de ler quando sei que já fiz todas as minhas obrigações e que não haverá fatores que podem me distrair como televisores ligados ou a vontade de estar com o telefone por perto, eu sempre tento me afastar das telas nesse processo. Gosto também de escolher um lugar confortável, que tenha uma boa iluminação que não me incomode e ninguém chato pra ficar me perguntando ou pedindo coisas. E pra finalizar, uma bebida quente, podendo ser café, mas ultimamente ando preferindo o chá por ser menos “prejudicial” e me deixar menos elétrico. Mas acontece que não importa em qual ambiente você esteja ou em qual situação você se encontra, porque o hábito da leitura será sempre uma tarefa solitária, sempre requererá esse mergulho dentro de si, esse desligamento do mundo material para o mundo interior, essa ligação entre você e o texto a sua frente. Daí a concepção de que o leitor é um ser solitário.
Uma das leituras do mês de julho foi o livro chamado “O coração é um caçador solitário” de Carson McCullers, autora americana que nos anos 1940, nos Estados Unidos, provou que idade não diz nada referente a maturidade, escrevendo o seu primeiro romance que trata sobre assuntos que muitos se enganam que apenas um adulto poderia falar sobre. Ler esse livro foi uma das minhas melhores descobertas desse ano, porque mostrou-me não somente uma mulher capaz de escrever muito bem, como também ela é capaz de tratar de assuntos e criar personagens que mexem com o leitor de uma forma que poucos conseguem. O livro de forma resumida trata sobre uma jornada profunda e intensa pelos anseios, pela solidão e pela busca por conexão humana.
McCullers retrata de uma maneira magistral os personagens que habitam o cenário de uma pequena cidade no sul dos Estados Unidos, cada um com suas dores, sonhos e desejos ocultos. O centro da narrativa é um homem chamado John Singer, um surdo-mudo que serve como ponto focal para as projeções e confissões de todos ao seu redor. Quando começamos a ler a história, somos apresentados ao cotidiano da vida de Singer e de seu amigo, outro surdo-mudo que convive e passeia com ele pela cidade. É exatamente o afastamento desse seu amigo que causará o motim para as transformações de Singer, como por exemplo, aproximar-se de outros moradores da cidade. Ao longo da leitura, somos apresentados a um conjunto de personagens complexos e cativantes, como a adolescente Mick, um personagem um pouco andrógina que divide a vida entre o sonho de ser musicista ou encarar a realidade para ajudar a família necessitada; o dono do café local chamado Biff Brannon, que vive uma vida de mentiras com a esposa pela qual não tem afeto; o médico negro Copeland, que debilitado pela sua saúde fraca vive a ajudar os outros e a sofrer com a perspectiva de vida que a sua comunidade é destinada a viver; e o beberrão Jake Blount, alcoólatra e ativista, misturando sua vida a divulgar profecias e os ensinamentos comunistas de uma vida pregressa. Através das histórias entrelaçadas desses personagens a autora aborda temas como alienação, segregação racial, identidade e a busca desesperada por compreensão e amor. E o mais engraçado de tudo é que John Singer, sem falar ou escutar, torna-se o ponto nerval dessas relações, sendo talvez o que mais compreende os seus companheiros, mas o que é menos compreendido. Com uma escrita rica e envolvente, Carson McCullers nos conduz por uma narrativa tocante e melancólica. A autora explora as emoções mais profundas da alma humana, revelando as fragilidades e os anseios que nos tornam tão humanos, como por exemplo, o medo da solidão.
Os personagens sentem medo de perderem os amigos, medo da morte, medo da perda da rotina, da sanidade, do ouvinte, tudo levando ao ponto central que é o próprio medo da solidão que percorre cada página junto com o leitor. Enquanto lia “O coração é um caçador solitário” e me embrenhava na vida dos personagens do livro, me percebia como solitário em meio a leitura, nesse caso aqui eu próprio como leitor e solitário. Percebia o quanto esse ser, o leitor, torna-se sozinho em meio a prática da leitura, mesmo estando em companhia do narrador e dos personagens, mas aqui não trata-se de vozes, mas sim do exercício da leitura. Tudo bem que a leitura pode ser realizada em companhia, onde em raros momentos acontecem (na minha vida mais raro ainda), mas nesse caso em particular falo do comum, do sujeito comum que deixa as suas atividades corriqueiras e casuais para isolar-se do mundo real e entrar em outro, completamente alheio ao seu, com personagens desconhecidos e fatos inéditos para decodificar - aqui uma atividade puramente intelectual e que exige mais esforço único e singular - uma língua que é conhecida, mas que torna-se difícil do sentido semântico para quando falamos da compreensão do todo, daquilo que se está lendo.
“Muitas vezes, nos rostos ao longo das ruas, via-se a expressão desesperada da fome e da solidão. No entanto, os dois mudos não se sentiam nem um pouco solitários. Em casa, eles gostavam de comer e beber, e Singer falava com mãos ansiosas para seu amigo sobre tudo o que lhe passava pela cabeça.”
Como dito, a atividade torna-se individual do ponto de vista do esforço aplicado e do entendimento dado pelo leitor, mas também poderíamos falar sobre seu sentido de compartilhamento: para aqueles que não possuem um círculo de amigos leitores, falar sobre literatura e como sair para uma rua sem amigos e brincar ao vento, ou seja, falar sobre literatura para quem não tem amigos literatos é bem solitário. Um dos grandes motivos de vir falar na internet sobre livros foi exatamente esse, a falta da companhia para comentar sobre a leitura atual, falar sobre os personagens preferidos ou simplesmente reclamar. A internet estava aqui para ajudar aqueles que compreendiam e sabiam usá-la com sabedoria, uma vez que ela também é uma faca de dois gumes, principalmente para aqueles que procuram volume e não qualidade de conteúdo. Mas voltando ao assunto, não posso simplesmente dizer que ela, a leitura, é unicamente solitária. Não! Como citado, valendo do ponto de vista construtivo, a leitura pode promover a relação entre autor-leitor, personagem-leitor, crítico-leitor, editora-leitor, um vasto campo de intertextualidade que promove o abrir dos olhos para o mundo literário. Mas vale ressaltar que quando queremos correr algum perigo, acontece um acordo mútuo entre nós e nós mesmos, uma vez que o desejo pela loucura parte da chama individual de cada um, o mesmo valendo para o mergulho nos livros. Ler é um ato individual, mas que carrega consigo também uma transformação individual.
Lidos dos mês: Junho
Essas foram as leituras realizadas em Junho. Literatura nacional sempre marcando presença no perfil, um texto narrativo/teórico sobre a leitura e a literatura, e por fim uma descoberta magnifica da literatura americana.
"Os Pastores da Noite" de Jorge Amado - Uma obra cativante que nos leva a desvendar os mistérios da noite e os segredos de personagens marcantes. Em meio aos encantos e desafios da cidade de Ilhéus, somos apresentados à vida dos caboclos e a luta pela posse da terra. Jorge Amado nos transporta para uma narrativa envolvente e repleta de cores locais.
"Com Borges" de Alberto Manguel - Um livro que nos proporciona um mergulho íntimo na mente do grande escritor argentino Jorge Luis Borges. Através das reflexões e conversas com Manguel, somos conduzidos a um universo de ideias e labirintos literários. Um convite para apreciar a genialidade de um dos maiores escritores do século XX.
"O Coração é um Caçador Solitário" de Carson McCullers - Uma narrativa poderosa que retrata a solidão e a busca por conexão em uma pequena cidade do sul dos Estados Unidos. Através de personagens marcantes, somos convidados a explorar a profundidade da condição humana e a importância das relações que moldam nossas vidas.
Como sempre, clicando nos links você tem acesso as resenhas direto da página do instagram da Bodega Literária. Não deixe de conferir.
Literatura Sonora #02: Solidão.
Escolha o lugarzinho favorito aí da sua casa, coloca seus fones de ouvido, pega sua bebida favorita, porque, claro, não poderia faltar aquela playlist badzinha para compormos a nossa temática sobre solidão.
Segundo o dicionário:
SO.LI.DÃO
substantivo feminino
estado de quem se acha ou se sente desacompanhado ou só; isolamento.
Ex: "vive na mais profunda solidão."
caráter dos locais ermos, solitários.
Ex: "em meio à solidão do deserto"
O que vale é que a solidão pode também ser curtida, como um momento de vida no qual pode ser desfrutada de maneira prazerosa, afinal como dizem “melhor estar sozinhe que mal acompanhade”, não é mesmo? Abaixo você confere a playlist indicada por Outras Mumunhas Mais para essa edição da Newsletter da Bodega Literária de Julho. Para ouvir a playlist completa use o player abaixo ou acesse esse link aqui.
Epi logo existo: O diário de um estudante.
Parece que foi ontem que iniciei o curso de letras, mas posso dizer que já finalizei um semestre. Pasmem! O tempo passa voando, as disciplinas nos consome os dias e quando vemos… estamos aprovados.
Como dito anteriormente, nesse primeiro semestre ocorreram apenas disciplinas relacionadas ao aspecto de introduzir o aluno no ambiente acadêmico, o que talvez explique o motivo de me dar tão bem com essas disciplinas iniciais, uma vez que essa é a minha segunda graduação e já passei por esse martírio de adaptação com a pressão de trabalhos, provas e professores a mil. O diferencial dessa vez se deu através de uma disciplina chamada Educação e Relações Ético-Raciais, disciplina essa ofertada em cursos de direito, história e letras, uma vez que são áreas que trabalham com a historicidade do nosso povo e língua, além da transferência da educação nesse sentido de resgate da cultura que nos formou, que nós somos e abrir os olhos daqueles que adentram o mundo do magistrado. Abaixo compartilho com vocês um dos trabalhos produzidos na disciplina que discutem o aspecto do racismo ainda tão enraizado em nossa sociedade, relacionando trabalhos de outros autores para dar um vislumbre sobre o preconceito estruturado em nossa formação histórica e de sociedade.
Leiam aqui: Artigo: Teorias racistas ao longo da história ainda presentes na sociedade brasileira
Chegamos ao fim dessa edição, mas calma que mês que vem tem mais! Não sinta-se sozinho, pois você pode usar o espaço abaixo para deixar seu comentário e compartilharmos ideias. Se você gostou da edição, pode ajudar divulgando ela para seus amigos e suas redes. Compartilhar sempre é bom!
Até a próxima,
Bodega Literária.
P.s.: Se você perdeu a edição anterior, pode usar o atalho abaixo para sua leitura.