#09 Posturado e calmo com o meu livrão na mão…🎶
//...ou, o romance de "deformação" de Jorge Amado.
O PAÍS DO CARNAVAL
Acontece que Jorge Amado quando mais jovem sempre foi uma criança inquieta, tanto que com 12 anos de idade, quando menos se esperava, ele fugiu da casa de seus pais em Salvador e foi parar na casa do avô que morava no interior de Sergipe (olha pra você vê a aventura que ele foi se meter). Além de toda essa inquietação (e essa preocupação que o pai dele tinha com a maneira como o filho se comportava) fizeram com que ele fosse uma pessoa sempre monitorada pela família, tendo que ir diversas vezes para a capital, Salvador, e internar-se em colégios internos, além também do Rio de Janeiro, uma vez que o sudeste era o centro da educação como evolução no momento. E foi durante essas internações em colégios tão rígidos que ele teve um pensamento um tanto rebelde, participar da produção de jornais escolares para divulgação de suas ideias.
Com 13 anos Jorge Amado já era diretor do jornal escolar chamado A Pátria, que mesmo sendo “morno” segundo sua visão, o motivou e foi pontapé para a participação em muitos outros, como por exemplo, o A folha, uma revista de oposição para sua época. Com 15 anos, ainda em Salvador, foi repórter do Diário da Bahia e depois, insatisfeito, parou no Imparcial que motivava a circulação do pensamento jovem de seu grupo de participantes, já que a década de 1920 já impulsionava movimentos políticos de mudança social no Brasil, assim como as efervescências para as eleições tão próximas. Com 17 anos, também em Salvador, Jorge Amado junto com os amigos inaugura o clube de literatura chamado “Academia dos rebeldes”, onde se discutia os lançamentos literários e regionais de seu momento, como também os romances europeus mais comentados nos círculos da sociedade (principalmente os franceses). O grupo também lia e debatia sobre filosofia, cultura, arte, e claro, a política que ia sendo construída. Com isso, percebe-se a forma e o meio inflamado pelo qual Jorge Amado circulava entre amigos, a cidade e seus desejos, além da vida que vivia, para que o influenciasse na criação de “País do Carnaval”.
Ainda frustrado pela rebeldia de seu filho, o coronel João Amado resolve despachar Jorge para o Rio de Janeiro, onde ele teria que se virar sozinho enquanto cursava a faculdade de direito. Além de estudar para se tornar o advogado que seu pai tanto queria, uma profissão que acabaria não sendo exercida pelo futuro autor, Jorge Amado também teve que aprender com a vida, tendo que morar numa pensão solitária que de forma positiva seria uma incubadora para os diversos personagens que dali nasceriam. Nessa solidão o autor produz o seu primeiro romance chamado “Rui Barbosa número 2” que acabaria sendo destruído pelas próprias mãos, uma vez que após conhecer os russos e a nova literatura regional brasileira que se formava, Jorge Amado acabaria saindo da influência europeia existencialista. Ainda um resquício dessa fase é o que de verdade se tornou seu primeiro romance, o “País do carnaval”, escrito na idade dos seus 17 anos. Nas palavras de Jorge Amado, os defeitos de seu livro de estreia seriam “sua maior honra”.
Denotado como romance de formação, “País do carnaval” foi escrito em 1931, também tido como o livro de formação do autor que Jorge se transformaria. É engraçado ler os relatos desse momento, uma vez que quando Jorge Amado leva seu romance para conhecimento da editora, na mesma gaveta onde “País do carnaval” é guardado está o romance de outro autor que logo seria reconhecido nacionalmente: Graciliano Ramos com seu “Caetés”. Foi essa coincidência que fez da relação de Jorge Amado com Graciliano uma forte amizade entre ambos, onde num momento futuro o próprio Jorge Amado choraria na cova de seu amigo.
“País do carnaval” vai tratar sobre o personagem principal chamado Paulo Rigger, um rapaz burguês, bon vivant, filho de um sucedido agricultor de cacau na Bahia, quando após a morte de seu pai ele decide ir passar sete anos na França, estudando direito e conhecendo a cultura e os modos europeus. Levado pelo saudosismo de sua terra, quando Paulo volta ao Brasil ele se sente um pouco inconformado pelo país que encontra, uma vez que formado pelo pensamento europeu sua forma de ver o mundo se contradiz com a realidade de sua terra. Jorge Amado, com seu toque de ironia, faz o personagem desembarcar no Brasil em pleno período carnavalesco, fazendo o sujeito, e também a nós leitores, pensarmos sobre o olhar do nosso país pelos outros, como esse “país do carnaval”, marcado pela farra, pelas mulheres quase nuas, pelo acolhimento de festa, mas que pouco se preocupa com sua visão de desenvolvimento. O que marca e nivela o tom do livro é a inconformidade pela qual os personagens tratam os diversos assuntos que evocam, fazendo com que Paulo Rigger, assim como os demais amigos que aparecem na trama, sempre estejam metidos em discussões filosóficas e morais sobre a vida, a sociedade e o nacionalismo. Diferente de outros de seus romances, nesse livro inicial Jorge Amado mal faz descrições de lugares ou paisagens, destacando de seus personagens apenas falas, conversas e análises profundas.
Seu primeiro romance é como um espelho da sua própria vivência quanto adolescente, sobre a própria expectativa que ele criou quanto a sua vida e a vida que seu pai lhe almejava, sobre sua própria ebulição quanto a política da época e o quanto Jorge Amado tinha anseios em querer mudar o mundo ao seu redor. Com sua mente cheia de ideias, ideias essas que às vezes não se assemelhavam a realidade local, Jorge Amado fez de Paulo Rigger o seu quase alter ego, esse espelhamento para conseguir pôr no papel as visões de vida. Apesar de tal personagem ser a personificação do pensamento revolucionário, Jorge Amado consegue demonstrar que o “pensar” é muito diferente do “fazer”, mostrando que o personagem muitas vezes se encontra em diversas contradições, numa dualidade entre viver e sonhar.
Temos que também destacar o grupo de intelectuais que se forma dentro do romance, que são esses amigos do Paulo Rigger que se encontram em diversos momentos para tratarem sobre vida, morte, filosofia e outras áreas. O próprio José Castello, escritor e crítico literário que assina o posfácio da edição da Companhia das Letras, vai nos dizer que tais personagens simbolizam os aspectos do que é tratado no romance:
Diante das ambiguidades que definem o mundo real, os protagonistas de País do carnaval tomam posições diversas, todas igualmente fracassadas. O jornalista A. Gomes, por exemplo, se dedica a acumular vantagens pessoais e a enriquecer. Já o poeta piauiense Ricardo Braz acredita na salvação através do amor e pelo casamento. O mais estranho deles, José Lopes, busca um sentido na literatura e na filosofia. Ingênuo e sem vaidades, Jerônimo Soares, o mais apagado dos amigos, procura a felicidade na relação com um prostituta. Mestre do grupo, Pedro Ticiano critica os amigos porque “sofrem da necessidade de ser felizes”. Vê-los fracassar reforça sua convicção de que “vivemos por viver” e que a ideia da felicidade, em vez de empurrar o homem para frente, bloqueia seu caminho. Na luta pela felicidade, ele defende a abdicação da felicidade. (CASTELLO, p.151, 2011).
Para Castello, que contradiz o termo “romance de formação”, o texto inaugural de Jorge Amado é mais uma “deformação”, uma vez que o autor foge das convenções esperadas pelos seus familiares e busca sua própria forma para se firmar como sujeito. E, como já dito, boa parte dessa formação irá se dar quando o autor entra em contato com os autores russos, mudando sua forma de criação, que por boa parte de sua carreira literária será chamado de autor panfletário.
Sendo assim, o que posso dizer é que se você já conhece Jorge Amado através de outras obras e agora vai ler “País do carnaval”, talvez você se sinta um pouco incomodado em não ver aquele autor mais maduro que fala sobre sua cidade, a sensualidade do povo, as religiões e suas paixões. Aqui caímos de cabeça na cabeça dos personagens, tendo um aspecto mais filosófico e existencial, mas que por isso mesmo não deixa de mostrar o autor que se tornará, marcado pela preocupação com seu país, em dar vozes a quem precisa de voz e que saberá como ninguém construir personagens que saltam das páginas.
Literatura Sonora #03: O país do carnaval
Perguntei ao George, amigo e idealizador do Outras Mumunhas Mais, qual seria a playlist de carnaval que alguém ouviria caso acabasse de chegar no Brasil após passar anos morando fora do país. A ideia, tirada da leitura do romance “O país do carnaval” de Jorge Amado, faz referência ao personagem Paulo Rigger, que após morar tanto tempo fora do Brasil chega a sua terra natal, Salvador, em pleno período carnavalesco.
Num passeio que vai de Recife, passa pela Bahia e chega ao Rio de Janeiro, o George cita artistas contemporâneos e clássicos que marcam o carnaval do Brasil, onde do Samba, Frevo e até Axé mostra-se a pluralidade da cultura nacional que pinta o rosto de nossos foliões.
Para ouvir a playlist acesse o link ou use o player abaixo.
De ladinho, coraçãozin, manda beijinho pra quem tá só lendo…🎶
Calma! Eu sei que o carnaval está aí batendo na porta, mas antes quero agradecer a você pela companhia. Aos poucos algumas pequenas mudanças acontecerão aqui nas edições da newsletter da Bodega Literária e espero a sua participação como assinante.
O ano mal começou, mas com grandes resoluções como leitor. A primeira dessas resoluções, como você viu, é atualizar o projeto de leitura #BodegadoAmado, onde as postagens que aqui serão divulgadas serão uma expansão daquilo que já havia saído anteriormente no perfil em nosso instagram. A intenção é trazer um texto mais completo, com indicações críticas para um peso mais acadêmico e listas sonoras para incentivar a sua leitura. O projeto de leitura dos livros de Jorge Amado ainda não acabou e além da atualização dos livros já lidos também será divulgada as novas leituras já feitas. Então aguarde que muita coisa ainda vem por ai.
Além disso, haverá o resgate de publicações do antigo blog da Bodega Literária, com texto mais atualizado e revisado.
No mais, agradeço sua companhia e desde já desejo um ótimo carnaval, para os que literalmente irão pular na folia e para aqueles que viajarão nas páginas dos livros.
Um abraço!
Rodolfo Vilar
Bodega Literária.
P.s.: Se você perdeu as edições anteriores, pode usar o atalho abaixo para sua leitura: