A FERA NA SELVA
Em cada grande momento da história da literatura há uma obra sobre o sentido da vida. Aqui cito duas, porque foram as que li e que consegui fazer algum tipo de conexão, não somente entre as histórias, mas também conexão com minha vida, já que ambas falam sobre a reflexão do sentido humano e da expectativa que é estar vivo. A primeira delas é “Deserto dos Tártaros” (1940) do autor italiano Dino Buzatti. Em seu enredo acompanhamos o recente promovido a oficial Giovanni Drogo, um jovem que sempre teve o sonho de servir ao seu país e estar naquela posição de militar, dentro da grande Fortaleza Bastiani. Quando acompanhamos seu enredo percebemos a grande expectativa que se estabelece dentro de sua formação, essa expectativa que perpassa não somente o ponto individual como também o conjunto, já que não sabemos ao certo quando os tártaros de fato os atacarão. Dentro dessa mesma expectativa de viver o que ainda está por vir, projetando planos, promessas e desejos para o amanhã que não existe, é o romance “A fera na Selva” de Henry James.
John Marcher, jovem burguês de vida ganha, tedioso e um tanto egocêntrico, está a passear na casa de um dos seus amigos quando encontra alguém que parece conhecer. Essa mulher, que também se espanta com o encontro inusitado com essa figura do seu passado, é May Bartran, uma jovem que reconhece em John aquele sujeito que criou laços durante o passeio que fizeram pela Itália e que desse vínculo criou-se um laço de cumplicidade que fez com que John confessasse um de seus maiores segredos. John, perplexo com essa lembrança da jovem, não lembra muito bem desses momentos e muito menos que confessou tamanho segredo a alguém durante uma simples viagem. May, muito confiante de suas memórias, convence John de suas cumplicidades e o relembra o que escutou de seus lábios, fazendo com que o sujeito entenda que aquela relação do passado criou de fato um laço que o fizesse se sentir confortável a contar seus segredos.
Mas espera ai! Que segredo é esse? E como que pode esquecer que fez amizade com alguém ao ponto de lhe contar segredos e esquecer desse fato? É assim que Henry James cria uma das suas mais brilhantes novelas de sua história. Para seguir a receita de uma história de amor o autor foge dos caminhos tradicionais de sua época, criando no leitor uma expectativa que emana desde a primeira página. É assim que ele fisga o leitor desavisado, a partir do (re)encontro de dois jovens que, a partir da reconstrução de seu passado, criam uma relação que permeia a amizade, mas que gradativamente cai num amor de marasmos, desejos e querências. John Marcher, um jovem egoísta, estoico, que sempre acha que o mundo gira ao seu redor (o que explica o seu esquecimento para os fatos); e May Bartran, compreensiva, com um olhar mais caridoso e totalmente levada pela maré da vida que acontece. É a partir da relação dos dois que Henry James descontrói o sentido de amor perfeito.
O grande segredo de John, que perpassa por páginas numa expectativa que alucina o leitor, é o fato de que: para John, existe um grande acontecimento que está para acontecer em sua vida, um fato tão grande que irá mudar a sua forma de ver o mundo. É nessa expectativa que John vive os seus dias, aguardando que o grande fato aconteça e que essa revolução se estabelece em seu destino. Foi esse o segredo que ele contou no passado a May, fazendo com que ambos criassem um laço de amizade que hoje, no presente da história, volta a se reascender. E é nesse reascender que a própria May pede para continuar próxima a ele, pedindo que ela esteja presente em sua vida para assistir a realização desse acontecimento. Enquanto ele espera que o fato aconteça, ela espera que ele realize o seu fato.
Em certo momento da história o narrador vai dizer:
“Algo estaria à espreita dele, por trás de uma curva no desenrolar dos meses e dos anos, como uma fera na selva. Pouco importava se a fera à espreitava destinada a matá-lo ou ser morta por ele”.
É nesse momento que liguei a história de Henry James a de Dino Buzatti. Ambos os autores tratam sobre o sentido da perspectiva da vida. O que você anda fazendo? Está de fato vivendo a vida ou esperando que algo aconteça? A leitura da obra, num momento especifico da minha vida em que é preciso entender os caminhos que precisam ser seguidos, traduz um dos grandes dilemas do individuo. Ambos, John e May, decidem esperar pelo que pode acontecer - ele ainda no sentido do fato pertencer a sua vida, ela pior ainda, esperando o acontecimento da vida de terceiros, numa disposição pelo outro que chega aos fatos de ele não perceber o quanto essa ligação tornou-se amor, um amor que a transformou no refúgio para sua espera, mas que mesmo assim ainda o deixa cego para enxergar o microscópico, algo tão simples que somente o tempo e a vivência, quando já é bem tarde para se perceber (precisam ler para saber o destino final), que simplesmente ela diz:
“- O que está para acontecer, já aconteceu!
Mas como assim já aconteceu?, pergunta-se John, quando de fato ele percebe que o grande fato é o amor que estabeleceu-se entre ambos, mas que já é tão tarde para se aproveitar. Nessa perspectiva tardia Henry James nos dá a grande lição de moral de sua história: que o destino é cruel e cobra com juros as suas promessas, e que a fera na selva está à espreita, esperando dar o bote quando menos você espera.
O grande curioso da literatura é poder fazer ligações com outras obras, ou mesmo com nossa própria vida, numa imitação que nos aproxima da ficção. Há certos livros que se tornam marcantes ou únicos exatamente por ligarem a nossa vida a suas páginas, numa combinação de poesia e realidade. Ler Henry James e Dino Buzatti foi transpor suas páginas para minha concepção sobre vida, costurando ensinamentos e filosofias. Os anseios dos personagens se assemelham aos nossos anseios, e com isso, nos sentimos abraçados pela mimesi da ficção. Somos outros após a leitura? Com toda certeza!
//Parceiros 2024
Agora em fevereiro a Bodega Literária foi selecionada para duas grandes parcerias com editoras cheias de carinho para com o leitor.
A Editora Fósforo e o Círculo de poesias, editora jovem, cheia de mulheres em seus bastidores e com uma proposta diferentona; e a Editora L&PM com seus clássicos em formatos pocket e convecional, que traz grandes nomes conhecidos da literatura.
Essa parceria irá trazer aos conteúdos da página uma maior diversificação de autores e títulos, divulgando seus catálogos e promovendo uma discursão sobre a pluralidade das leituras, conectando novas histórias aos leitores que acompanham a Bodega.
Estou muito feliz pelo reconhecimento que as editoras deram a Bodega Literária, dando carinho e atenção ao conteúdo produzido e confiando para a promoção de suas obras. Em breve logo surgirão aqui no espaço sobre parcerias os livros lidos e as novidades que ambas enviaram pra gente comentar. Então aguarda ai que tem novidades e vocês também ganharão com isso.
Sempre em mudança…
Percebi que a mudança deve ser contínua e por isso que de vez em quando as coisas mudam aqui pela página da newsletter. Algumas sessões entram, outras saem, tudo com o intuito de adicionar algo que agregue a edição em produção do mês.
Escrever sempre será libertador. E é por isso que faço da escrita uma rotina, já que, também como pesquisador, esse ato se faz presente como algo necessário para produção de conteúdo.
A newsletter nada mais é que uma extensão daquilo que mais gosto de fazer: ser curioso com o mundo através de minhas leituras, do meu olhar, do meu entendimento de vida. E o resultado disso tudo se faz aqui, com meus pequenos textos que circulam. Fico grato como sempre.
Nas próximas edições volto com mais leituras sobre o projeto #RaízesLendoBrasileiros e #BodegadoAmado. então indica essa página para mais pessoas e salve o conteúdo no seu celular.
Um abraço!
Rodolfo Vilar
Bodega Literária.
P.s.: Se você perdeu as edições anteriores, pode usar o atalho abaixo para sua leitura: